domingo, 4 de maio de 2008

ENTREVISTA COM INGO HOFFMANN

Por Tiago Viegas

Nesse final de semana tivemos a etapa de Brasília da Copa Nextel Stock Car. Apesar do clima de festa, a categoria está se despedindo da sua maior estrela: Ingo Hoffmann. O piloto de 55 anos e 33 de carreira concedeu uma entrevista exclusiva e falou sobre o início de carreira, a ascensão meteórica até a Fórmula 1, o retorno ao Brasil, sua passagem pela Stock e a vida de piloto profissional.

Ele também fala sobre a nova fase da carreira onde disputará o GT3 Brasil Championship, campeonato com os carros mais desejados do mundo. Além dessa experiência ele conta como é a experiência única de pilotar nos circuitos mais desafiadores do mundo como Spa-Francorchamps (Bélgica), que faz parte do calendário da fórmula 1 atual, e o Laço Norte (Nordschleife) de Nurburgring, essa última, a seu ver, a maior e melhor pista do mundo.

Tiago Viegas: Como você começou essa história da paixão por pilotar carros de corrida?

Ingo Hoffmann: Bom, para as pessoas entenderem como funciona o processo, eu me localizo no tempo. Eu nasci em 1953, agora estou com 55 anos e desde que eu era criança, lá pelos 5, 6, 7 anos de idade eu já era fissurado por carros. E eu sempre coloco essa questão, do tempo, porque naquela época não existia televisão transmitindo corrida, nem em casa as pessoas tinha, não existia imprensa especializada, os jornais não falavam de automobilismo, ou seja, não existia nada, nada, nada voltado a divulgar o automobilismo e eu já era super interessado nisso. É importante esclarecer isso porque hoje em dia tem muito jovem que é aficionado por automobilismo em função da grande massificação, então a pessoa acaba sendo influenciada e acaba tendo interesse. Eu tinha interesse por um esporte que era “secreto”, só realmente os mais apaixonados conheciam. Apaixonado como eu era, freqüentava o autódromo de Interlagos desde pequeno, pegava ônibus e ia lá, conhecia tudo, sabia de tudo daqueles pilotos lá, fica lá com os olhinhos brilhando... Ficava super emocionado de ver os caras e falava “nossa! Um dia quero ser igual a esses caras”. Aí eu tentei começar a correr de Kart com 15, 16 anos.

TV : E como foi a reação dos seus pais?

IH: Bem, para correr de kart, como muitos jovens hoje em dia, quer dizer, praticamente todo mundo começa bem jovem mesmo, eu precisava de autorização dos meus pais, mas meus pais não me deram essa autorização porque achavam um esporte muito arriscado, além de ser muito caro. Eu tive que esperar completar 18 anos, tirar a carteira de motorista e achar uma maneira de ir para as pistas. Com 19 anos completos, ou seja, eu comecei bastante tarde comparado com o que costuma acontecer, entre junho e julho de 1972 eu fiz minha estréia em Interlagos num festival chamado “Festival do ronco”, para carros originais e pilotos estreantes e novatos. Ou seja, era para pilotos que nunca tiveram experiência na pista podiam pegar o carro de rua, tirar cintos, pára-choques, colocar Santo Antônio e correr.

TV: Essa foi a sua primeira corrida então?

IH: Sim, fiz essa primeira prova em 72 e avisei aos meus pais que ia correr sob o argumento de ver qual era a do esporte. Eu sei que eles não queriam que eu corresse de carro, mas eu falei “vocês sabem como eu sou fissurado por isso desde pequeno e eu tenho que ir lá pra ver o que acontece”. Podia acontecer de eu chegar lá e perceber que eu não tinha talento para a coisa, não ter jeito, ou de repente tomar um susto e ficar com medo e desencanar da idéia e partir para outra, mas não podia morrer agoniado sem saber como era. Então eles concordaram, talvez com a esperança de eu tomar um susto ou ver que realmente não tinha jeito.

IH: A primeira corrida foi realmente marcante. O grid foi definido por sorteio e eu larguei da 44ª posição numa prova de 6 voltas no traçado antigo de Interlagos. Eu terminei na 7ª posição e só não ultrapassei mais gente porque não tinha tempo. A cada volta eu ultrapassava uns 7 carros.

TV: E qual foi a reação dos seus pais ao saberem do resultado?

IH: Chegando em casa a noite meus pais viram que era aquilo mesmo, que eu tinha aptidão para o negócio e me perguntaram “é isso mesmo que você quer?” e eu disse “é”, “então tudo bem, nós só não temos grana para te apoiar”. Mas eles me deram apoio moral, o que é fundamental e extremamente importante. Isso foi louvável se a gente levar em consideração a época em que aconteceu. Há 37 anos a mentalidade das pessoas era diferente, hoje elas têm outra forma de pensar. Meus pais então deixaram o meu caminho aberto porque viram que era o que eu realmente queria fazer.

TV: Sem dinheiro como você fez para iniciar a carreira?

IH: Bem, aí eu fui atrás de patrocínio na empresa onde meu pai era diretor. Consegui o apoio financeiro e em 73 eu fui campeão brasileiro da categoria Divisão 3. Em 74 conquistei o bicampeonato. Enquanto isso eu corria também na Super V, que era categoria de monopostos. Eu e o Nelson Piquet também estreamos juntos nesta categoria.

TV: Aí veio então a Fórmula 3 na Inglaterra em 75, certo?

IH: Sim, fui por total influência do Wilson Fittipaldi que estava no Brasil construindo o Copersucar para a Fórmula 1.

TV: E o Wilson que era seu ídolo

IH: Nossa! Com certeza! Emerson e Wilsinho eram meus ídolos desde pequeno. Tanto é que eu corro com o número 17 em função disso. Quando eles corriam aqui no Brasil o Emerson usava o número 7 e o Wilson 77. Eu era tão apaixonado, eles eram tão meus ídolos que eu falei “po, eu tenho que ter alguma coisa parecida com eles”. Então, eu pensei “não vou pegar o 7 nem o 77 porque fica meio igual”. Aí eu botei o 1 na frente e ficou 17. Essa é a razão de eu usar o 17 até hoje.

TV: E como foi a chegada a Fórmula 1?

IH: Em 74, o Wilson (Fittipaldi) que era meu chefe de equipe, me influenciou a andar de Fórmula 3. Em 75 foi o ano de estréia na Fórmula 1 pela Copersucar. Ele me convidou para fazer uns testes, eu fui super bem e ele me ofereceu um contrato para correr de Fórmula 1. Do início da carreira em 72 até a chegada na Fórmula 1 em 75 foi um período muito curto e muito rápido. Eu sabia que tinha chegado na fórmula 1 com muito pouca experiência.

TV: Era uma chance única, acredito

IH: Sim. Eu tinha a seguinte opção. Ou assinava um contrato de 4 anos para correr na fórmula 1, para ganhar uma grana legal, mesmo sabendo que não tinha experiência para tanto, correndo um grande risco de me queimar na categoria, ou tentar seguir o caminho normal, fazer um ano de fórmula 3, depois fórmula 2 para um dia, quem sabe, chegar na fórmula 1. Aí, pela total falta de patrocínio, eu optei entrar na fórmula 1 ganhando salário, o que no final, com todos os problemas e a equipe teve no decorrer desses anos todos, mostrou ser uma decisão incorreta.

TV: A partir daí você fez uma passagem pela Europa antes de voltar para o Brasil.

IH: Nos três anos seguintes eu passei correndo no campeonato europeu de fórmula 2, sempre bancado por patrocinadores que conseguia aqui no Brasil. Mas no final de 78 a situação não estava muito boa. Eu já estava devendo dinheiro para familiares, amigos e em 79 decidi voltar e tentar me restabelecer no como piloto profissional. Naquela época só o Paulão (Paulo Gomes) é que tinha esse perfil de viver do automobilismo aqui no Brasil.

TV: Foi aí que começou a carreira vitoriosa da Stock?

IH: Coincidentemente, no início de 79 estavam criando o que é hoje a nossa tão forte e badalada Stock Car. De início eu não tinha interesse em correr na categoria, eu queria mesmo era continuar pilotando carros de fórmula na Super V, mas não deu certo. Então me convidaram para correr na Stock. Entrei na categoria na segunda etapa do campeonato porque meu carro ainda não estava pronto. A primeira corrida tinha sido em Santa Cruz do Sul e eu só fui estrear na etapa de Guaporé. De lá para cá corri em todas as corridas da Stock e acabei conquistando 12 títulos.

TV: Paralelo a Stock você também teve uma passagem por outras categorias do automobilismo. Como foi essa experiência?

IH: Como eu queria ser um piloto profissional, eu tinha que correr no máximo de categorias para poder juntar dinheiro e pagar as contas de casa. Então passei por Campeonato de Marcas e Pilotos, Brasileiro de Fiat Uno, corri alguns anos na Europa pela BMW nas provas de 24 horas de Nurburgring e Spa-Francorchamps e desde 2003 eu corro no Rally Cross Country pela Mitisubishi. Nesses anos todos de retorno ao Brasil eu nunca fiquei em função exclusivamente da Stock Car.

TV: Abordando um ponto que acho que todo apaixonado por automobilismo tem curiosidade. Como é correr em Spa-Francorchamps e Nurburgring?

IH: Eu posso dizer que sou um cara extremamente realizado, não só pelo que fiz no automobilismo, mas por ter tido a oportunidade de correr nas melhores pistas do mundo, entre elas o antigo Interlagos, que tinha 8 quilômetros. Tem também o circuito de Nurburgring (laço norte), que é uma pista de 22 quilômetros e 172 curvas. Conheço aquilo como a palma da minha mão porque sou apaixonado por aquele lugar. Se incluirmos o circuito grand prix (que é o traçado utilizado pela fórmula 1) ela chega a quase 28 quilômetros! É uma pista absurdamente grande, é como se a gente fosse fazer uma viagem. Corri lá de fórmula 2 e de turismo pela BMW em corridas de longa duração. É a única pista no mundo aonde eu e outros pilotos, quando conversava com eles, a gente falava “aqui o bicho pega, se fizer alguma burrada, a conseqüência é grave”. É uma pista muito rápida, com muitas curvas cegas, você entra nelas sem saber como elas acabam. Em alguns pontos o carro literalmente decola por causa do terreno que é cheio de subidas e descidas. O lugar passa pelo meio da floresta negra da Alemanha. É realmente desafiador. Em compensação, quando você chega no final do dia, que você fecha a sua malinha, pára e pensa “pô, eu fiz um negócio realmente diferente que é pilotar lá no limite, que é coisa para poucos”. E outra pista é Spa-Francorchamps na Bélgica. Um circuito que até hoje a fórmula 1 anda lá, então é muito bom ter conseguido esse sonho que é andar nessas pistas todas.

TV: Qual das curvas é mais difícil: Karroussel (Nurburgring) ou Eau-Rouge (Spa-Francorchamps)?

IH: Bem, o Karroussel é muito fácil de fazer. É uma curva de média para baixa velocidade com uma inclinação muito grande. Para o leigo entender, é que nem aqueles ciclistas do globo da morte, andando grudados na parede. Você entra na curva com uma velocidade alta, e quando pensa que vai passar reto, começando a ficar com medo, a pista cai e você gruda na parede e vem com o carro grudado nela. É mais uma questão de costume. Agora a Eau-Rouge não. É um curvão rapidíssimo em Spa, só corri de turismo lá. Fazia de 5ª marcha, praticamente de pé embaixo, muito rápido e é uma curva cega em subida. Você chega nela sem ver a parte superior, no final dela tem uma curvinha para a esquerda, então é uma questão de muito treino. Eu fico imaginando o que um piloto de fórmula sente. Se num carro de turismo, que é alguns centímetros mais alto do que um carro de fórmula, já tem uma grande dificuldade de enxergar, imagina o piloto de fórmula 1, aquilo é realmente sensacional. Aquela curva separa o adulto da criança. Agora, num todo, Nurburgring é disparado a melhor pista do mundo.

TV: Agora, iniciando uma nova fase na carreira, vem o Brasil GT3 Championship*. Como foi essa primeira rodada dupla disputada no último dia 20 em Curitiba e como é correr no Brasil com esses carros que são o sonho de consumo de muita gente?

IH: Eu acho esse campeonato muito legal. É um campeonado que veio para ficar, que não veio disputar força com ninguém e envolve carros feitos no mundo inteiro. Todos eles têm certa equiparação entre si. Eu corro com um Lamborghini Gallardo que é um carro espetacular. Na primeira etapa tivemos alguns problemas, o Boni (Paulo Bonifácio) vinha super bem e quando passou o carro para mim já estava chovendo. Botamos os pneus de chuva, mas a calibragem estava errada e o carro ficou literalmente inguiável. Nos treinos de quinta-feira eu fui o mais rápido com chuva, então foi um erro de acerto dos pneus. No domingo larguei mal, em oitavo, e na primeira curva levei uma batida na roda traseira esquerda. Com isso o carro ficou desalinhado e aí fizemos a corrida inteira desse jeito.

TV: Para finalizar gostaria que falasse um pouco sobre o trabalho que é feito no Instituto Ingo Hoffmann

IH: O Instituto foi fundado em 2004. Lá estão 30 chalés para abrigar as famílias dessas crianças em tratamento. Construímos ele em Campinas, ao lado do Instituto Boldrini, que é referência mundial no tratamento de crianças com câncer. O hospital faz a triagem dessas famílias e todas elas ficam hospedadas nos apartamentos que são inteiramente equipados e elas recebem todas as alimentações, que são feitas numa cozinha industrial que temos lá. Também temos brinquedotecas, bibliotecas que têm computadores onde são ministrados cursos profissionalizantes para os pais, que ficam lá durante um período médio de 5 meses. Nós temos recebido doações também e o Instituto está tudo indo muito bem.

*O Brasil GT3 Championship adota o estilo Gentlemen Driver onde um piloto profissional e um pouco experiente dividem o carro durante a corrida. Os carros oficiais são Aston Martin DBRS9, Corvette Z06, Dodge Viper Coupe, Ford GT, Ferrari F430, Lamborghini Gallardo e Porsche 997 GT3. Brasília recebe rodada dupla nos dias 12 e 13 de julho.

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande alemão, pena que quebrou em Brasília
PARABENS PELA CARREIRA